Nas artes o Renascimento se caracterizou, em linhas muito gerais,
pela inspiração nos antigos gregos e romanos, e pela concepção de arte
como uma imitação da natureza, tendo o homem nesse panorama um lugar
privilegiado. Mas mais do que uma imitação, a natureza devia, a fim de
ser bem representada, passar por uma tradução que a organizava sob uma
óptica racional e matemática, num período marcado por uma matematização
de todos os fenômenos naturais. Na pintura a maior conquista da busca
por esse "naturalismo organizado" foi a recuperação da
perspectiva,
representando a paisagem, as arquiteturas e o ser humano através de
relações essencialmente geométricas e criando uma eficiente impressão de
espaço tridimensional; na música foi a consolidação do
sistema tonal,
possibilitando uma ilustração mais convincente das emoções e do
movimento; na arquitetura foi a redução das construções para uma
dimensão mais humana, abandonando-se as alturas transcendentais das
catedrais góticas; na literatura, a introdução de um personagem que
estruturava em torno de si a narrativa e
mimetizava até onde possível a noção de
sujeito.
Pintura:
Sucintamente, a contribuição maior da
pintura do Renascimento foi sua nova maneira de representar a natureza, através de domínio tal sobre a técnica pictórica e a
perspectiva
de ponto central, que foi capaz de criar uma eficiente ilusão de espaço
tridimensional em uma superfície plana. Tal conquista significou um
afastamento radical em relação ao sistema
medieval
de representação, com sua estaticidade, seu espaço sem profundidade e
seu sistema de proporções simbólico - onde os personagens maiores tinham
maior importância numa escala que ia do homem até Deus - estabelecendo
um novo parâmetro cujo fundamento era matemático, no que se pode ver um
reflexo da popularização dos princípios filosóficos do racionalismo,
antropocentrismo e do humanismo. A linguagem visual formulada pelos
pintores renascentistas foi tão bem sucedida que permanece válida até
hoje.
[13][30]
O cânone greco-romano de proporções voltava a determinar a construção da figura humana; também voltava o cultivo do
Belo tipicamente clássico. A pintura renascentista é em essência linear; o
desenho era agora considerado o alicerce de todas as
artes visuais
e seu domínio, um pré-requisito para todo artista. Para tanto, foi de
grande utilidade o estudo das esculturas e relevos da Antiguidade, que
deram a base para o desenvolvimento de um grande repertório de temas e
de gestos e posturas do corpo. Na construção da pintura, a linha
convencionalmente constituía o elemento demonstrativo e lógico, e a cor
indicava os estados afetivos ou qualidades específicas. Outro
diferencial em relação à arte da Idade Média foi a introdução de maior
dinamismo nas cenas e gestos, e a descoberta do sombreado, ou
claro-escuro, como recurso plástico e mimético.
[14][30]
Giotto,
atuando entre os séculos XIII e XIV, foi o maior pintor da primeira
Renascença italiana e o pioneiro dos naturalistas em pintura. Sua obra
revolucionária, em contraste com a produção de mestres do
gótico tardio como
Cimabue e
Duccio, causou forte impressão em seus contemporâneos e dominaria toda a pintura italiana do
Trecento, por sua lógica, simplicidade, precisão e fidelidade à natureza.
[31] Ambrogio Lorenzetti e
Taddeo Gaddi
continuaram a linha de Giotto sem inovar, embora em outros
características progressistas se mesclassem com elementos do gótico
ainda forte, como se vê na obra de
Simone Martini e
Orcagna. O estilo naturalista e expressivo de Giotto, contudo, representava a vanguarda na visualidade desta fase, e se difundiu para
Siena, que por um tempo passou à frente de Florença nos avanços artísticos. Dali se estendeu para o norte da Itália.
No
Quattrocento as representações da figura humana adquiriram
solidez, majestade e poder, refletindo o sentimento de autoconfiança de
uma sociedade que se tornava muito rica e complexa, com vários níveis
sociais, de variada educação e referenciais, que dela participavam
ativamente, formando um painel multifacetado de tendências e
influências. Mas ao longo de quase todo o século a arte revelaria o
embate entre os derradeiros ecos do gótico espiritual e abstrato,
exemplificado por
Fra Angelico,
Paolo Uccello,
Benozzo Gozzoli e
Lorenzo Monaco, e as novas forças organizadoras, naturalistas e racionais do classicismo, representadas por
Botticelli,
Pollaiuolo,
Piero della Francesca e
Ghirlandaio. Nesse sentido, depois de Giotto o próximo marco evolutivo foi
Masaccio,
em cujas obras o homem tem um aspecto nitidamente enobrecido e cuja
presença visual é decididamente concreta, com eficiente uso dos efeitos
de volume e espaço tridimensional. Dele se disse que foi
"o primeiro que soube pintar homens que realmente tocavam seus pés na terra".
[30] Junto com Florença,
Veneza representa a vanguarda artística européia no
Quattrocento, dispondo de um grupo de artistas ilustres, como
Jacopo Bellini,
Giovanni Bellini,
Vittore Carpaccio,
Mauro Codussi e
Antonello da Messina.
Siena, que já fizera parte da vanguarda em anos anteriores, agora
hesitava entre o apelo espiritual do gótico e o fascínio profano do
classicismo, e perdia ímpeto. Enquanto isso também outras regiões do
norte da Itália começavam a conhecer o classicismo, através de
Perugino em
Perugia;
Francesco Laurana em
Urbino;
Pinturicchio, Masaccio,
Melozzo da Forli, e
Giuliano da Sangallo em Roma, e Mantegna em
Pádua e
Mântua.
[32] Também deve-se lembrar a influência renovadora sobre os pintores italianos da técnica da
pintura a óleo, que no
Quattrocento
estava sendo desenvolvida nos Países Baixos e atingira elevado nível de
refinamento, possibilitando a criação de imagens muito mais precisas e
nítidas e com um sombreado muito mais sutil do que o que era conseguido
com o
afresco, a
encáustica e a
têmpera.
As telas flamengas eram muitissimo apreciadas na Itália exatamente por
essas qualidades, e uma grande quantidade delas foi importada, copiada
ou emulada pelos italianos.
[13]
Mais adiante, na Alta Renascença, com
Leonardo da Vinci, a técnica do óleo se refinou e penetrou no terreno do sugestivo, ao mesmo tempo em que aliava fortemente arte e ciência. Com
Rafael
o sistema classicista de representação visual chegou a um apogeu, e se
revelou a doçura, a grandeza solene e a perfeita harmonia. Mas essa
fase, de grande equilíbrio formal, não durou muito, logo seria
transformada profundamente, dando lugar ao Maneirismo. Aqui
Michelangelo,
coroando o processo de exaltação do homem, levou-o a uma nova dimensão,
a do sobre-humano, abrindo-lhe também as portas do trágico e do
patético. Com os maneiristas toda a noção de espaço foi então alterada, a
perspectiva se fragmentou em múltiplos pontos de vista, e as proporções
da figura humana foram distorcias com finalidades expressivas ou
meramente estéticas, formulando-se uma linguagem visual mais dinâmica,
vibrátil, subjetiva, dramática e sofisticada.
Pontormo,
Veronese,
Romano,
Tintoretto,
Bronzino, e Michelangelo em sua fase madura foram exemplos típicos do Maneirismo plenamente manifesto.
Giorgio Vasari,
um pintor e arquiteto maneirista de mérito secundário, também deve ser
lembrado por sua importância como biógrafo e historiador da arte, um dos
primeiros a reconhecer todo o ciclo renascentista como uma fase de
renovação cultural e o primeiro a usar o termo "Renascimento" na
bibliografia, em sua enciclopédica
Le Vite de' più Eccellenti Pittori, Scultori e Architettori, uma das fontes primárias para o estudo da vida e obra de muitos artistas do período.
Escultura:
Na
escultura os sinais de uma revalorização de uma estética classicista são mais antigos, datando do século XIII.
Nicola Pisano em torno de 1260 produziu um
púlpito para o
Batistério de Pisa que é considerado a manifestação precursora da Renascença em escultura. Na passagem do século XIII para o século XIV seu filho
Giovanni Pisano
levaria seu estilo mais longe e dominaria a cena em Florença no
primeiro terço do século, e seria um dos introdutores de um gênero novo,
o dos
cruxifixi dolorosi, de grande dramaticidade e larga
influência, até então incomum na Toscana. Seu talento versátil daria
origem a outras obras de suma elegância e austeridade, de linhas limpas e
puras, como o retrato de
Enrico Scrovegni. Suas
Madonnas, relevos e o púlpito da
Catedral de Pisa
são, por outro lado, muito mais movimentados e graciosos, com elementos
góticos mesclados a um novo senso de proporção e espaço que infere seu
estudo dos clássicos.
[33][34] Contemporâneos como
Tino di Camaino seguem aproximadamente a mesma linha de trabalho, num cruzamento de correntes que seria típico de todo o
Trecento.
[35] Em meados do século
Andrea Pisano se tornaria um dos escultores mais importantes da Itália, autor dos relevos da porta sul do
Batistério de Florença e sendo nomeado arquiteto da
Catedral de Orvieto.
[36] Foi mestre de
Orcagna, cujo tabernáculo em
Orsanmichele é uma das obras-primas do período, e de
Giovanni di Balducci, autor de um requintado e complexo monumento funerário na
Capela Portinari de Milão.
[37][38]
Apesar dos avanços dos mestres citados acima, sua obra ainda reflete o
embate entre as tendências antigas e modernas, e elementos góticos
ainda são nitidamente visíveis em todos eles. Para o fim do
Trecento surge em Florença a figura de
Lorenzo Ghiberti, autor de relevos no
Batistério de São João, onde os modelos clássicos são recuperados por completo. Logo em seguida
Donatello conduz os avanços em várias frentes. Nas suas obras principais figuram as estátuas de profetas do
Antigo Testamento. Deles talvez o
Habacuc seja a mais impressionante, uma imagem cujo porte lembra fortemente um romano com sua
toga,
quase extraído diretamente da retratística da Roma republicana. Ousou
ao modelar a primeira figura de nu de grandes dimensões em volume
completo desde a antiguidade, o
David de 1430. Também inovou na estatuária equestre, criando o monumento a
Gattamelata, a mais importante obra em seu gênero desde o
Marco Aurélio romano do
Capitólio. Por fim, sua descarnada
Madalena penitente,
em madeira, de 1453, é uma imagem de dor, austeridade e transfiguração
que não teve paralelos em sua época, reintroduzindo um pungente senso de
drama e realidade na estatuária que só se viu no
Helenismo.
[39]
Na geração seguinte,
Verrocchio se destaca pela teatralidade e dinamismo das composições. Seu
Cristo e São Tomé tem grande realismo e poesia. Compôs um
Jovem com um golfinho para a fonte de Netuno em Florença que é o protótipo da
figura serpentinata, que seria o modelo formal mais prestigiado pelo Maneirismo e Barroco. Sua obra maior, o monumento equestre a
Bartolommeo Colleoni é uma expresão de poder e força mais impressionante que o
Gattamelata.
Desiderio da Settignano e
Antonio Rosselino também merecem lembrança. Florença continuou o centro da evolução até o aparecimento de
Michelangelo,
que trabalhou em Roma para os papas - e também em Florença para os
Medici - e foi o maior nome da escultura desde a Alta Renascença até
meados do
Cinquecento. Sua obra passou do classicismo puro do
David, do
Baco, e chegou ao Maneirismo, expresso em obras veementes como os
Escravos, o
Moisés, e os nus da
Capela Medici em Florença. Artistas como
Baccio Bandinelli,
Agostino di Duccio e
Tullio Lombardo também deixaram obras de grande maestria, como o
Adão deste último. Encerram o ciclo renascentista
Giambologna,
Francesco da Sangallo,
Jacopo Sansovino e
Benvenuto Cellini, com um estilo de grande dinamismo e expressividade, tipificado no
Rapto das Sabinas, de Giambologna. Artistas importantes em outros países da Europa já iniciavam a trabalhar em linhas claramente italianas, como
Adriaen de Vries no norte e
Germain Pilon
na França, espalhando o gosto italiano por uma grande área geográfica e
dando origem a várias formulações sincréticas com escolas regionais.
Verrocchio.
Donatello.
Ghiberti.