Pintura:
Sucintamente, a contribuição maior da pintura do Renascimento foi sua nova maneira de representar a natureza, através de domínio tal sobre a técnica pictórica e a perspectiva
de ponto central, que foi capaz de criar uma eficiente ilusão de espaço
tridimensional em uma superfície plana. Tal conquista significou um
afastamento radical em relação ao sistema medieval
de representação, com sua estaticidade, seu espaço sem profundidade e
seu sistema de proporções simbólico - onde os personagens maiores tinham
maior importância numa escala que ia do homem até Deus - estabelecendo
um novo parâmetro cujo fundamento era matemático, no que se pode ver um
reflexo da popularização dos princípios filosóficos do racionalismo,
antropocentrismo e do humanismo. A linguagem visual formulada pelos
pintores renascentistas foi tão bem sucedida que permanece válida até
hoje.[13][30]
O cânone greco-romano de proporções voltava a determinar a construção da figura humana; também voltava o cultivo do Belo tipicamente clássico. A pintura renascentista é em essência linear; o desenho era agora considerado o alicerce de todas as artes visuais
e seu domínio, um pré-requisito para todo artista. Para tanto, foi de
grande utilidade o estudo das esculturas e relevos da Antiguidade, que
deram a base para o desenvolvimento de um grande repertório de temas e
de gestos e posturas do corpo. Na construção da pintura, a linha
convencionalmente constituía o elemento demonstrativo e lógico, e a cor
indicava os estados afetivos ou qualidades específicas. Outro
diferencial em relação à arte da Idade Média foi a introdução de maior
dinamismo nas cenas e gestos, e a descoberta do sombreado, ou claro-escuro, como recurso plástico e mimético.[14][30]
Giotto,
atuando entre os séculos XIII e XIV, foi o maior pintor da primeira
Renascença italiana e o pioneiro dos naturalistas em pintura. Sua obra
revolucionária, em contraste com a produção de mestres do gótico tardio como Cimabue e Duccio, causou forte impressão em seus contemporâneos e dominaria toda a pintura italiana do Trecento, por sua lógica, simplicidade, precisão e fidelidade à natureza.[31] Ambrogio Lorenzetti e Taddeo Gaddi
continuaram a linha de Giotto sem inovar, embora em outros
características progressistas se mesclassem com elementos do gótico
ainda forte, como se vê na obra de Simone Martini e Orcagna. O estilo naturalista e expressivo de Giotto, contudo, representava a vanguarda na visualidade desta fase, e se difundiu para Siena, que por um tempo passou à frente de Florença nos avanços artísticos. Dali se estendeu para o norte da Itália.
No Quattrocento as representações da figura humana adquiriram
solidez, majestade e poder, refletindo o sentimento de autoconfiança de
uma sociedade que se tornava muito rica e complexa, com vários níveis
sociais, de variada educação e referenciais, que dela participavam
ativamente, formando um painel multifacetado de tendências e
influências. Mas ao longo de quase todo o século a arte revelaria o
embate entre os derradeiros ecos do gótico espiritual e abstrato,
exemplificado por Fra Angelico, Paolo Uccello, Benozzo Gozzoli e Lorenzo Monaco, e as novas forças organizadoras, naturalistas e racionais do classicismo, representadas por Botticelli, Pollaiuolo, Piero della Francesca e Ghirlandaio. Nesse sentido, depois de Giotto o próximo marco evolutivo foi Masaccio,
em cujas obras o homem tem um aspecto nitidamente enobrecido e cuja
presença visual é decididamente concreta, com eficiente uso dos efeitos
de volume e espaço tridimensional. Dele se disse que foi "o primeiro que soube pintar homens que realmente tocavam seus pés na terra".[30] Junto com Florença, Veneza representa a vanguarda artística européia no Quattrocento, dispondo de um grupo de artistas ilustres, como Jacopo Bellini, Giovanni Bellini, Vittore Carpaccio, Mauro Codussi e Antonello da Messina.
Siena, que já fizera parte da vanguarda em anos anteriores, agora
hesitava entre o apelo espiritual do gótico e o fascínio profano do
classicismo, e perdia ímpeto. Enquanto isso também outras regiões do
norte da Itália começavam a conhecer o classicismo, através de Perugino em Perugia; Francesco Laurana em Urbino; Pinturicchio, Masaccio, Melozzo da Forli, e Giuliano da Sangallo em Roma, e Mantegna em Pádua e Mântua.[32] Também deve-se lembrar a influência renovadora sobre os pintores italianos da técnica da pintura a óleo, que no Quattrocento
estava sendo desenvolvida nos Países Baixos e atingira elevado nível de
refinamento, possibilitando a criação de imagens muito mais precisas e
nítidas e com um sombreado muito mais sutil do que o que era conseguido
com o afresco, a encáustica e a têmpera.
As telas flamengas eram muitissimo apreciadas na Itália exatamente por
essas qualidades, e uma grande quantidade delas foi importada, copiada
ou emulada pelos italianos.[13]
Mais adiante, na Alta Renascença, com Leonardo da Vinci, a técnica do óleo se refinou e penetrou no terreno do sugestivo, ao mesmo tempo em que aliava fortemente arte e ciência. Com Rafael
o sistema classicista de representação visual chegou a um apogeu, e se
revelou a doçura, a grandeza solene e a perfeita harmonia. Mas essa
fase, de grande equilíbrio formal, não durou muito, logo seria
transformada profundamente, dando lugar ao Maneirismo. Aqui Michelangelo,
coroando o processo de exaltação do homem, levou-o a uma nova dimensão,
a do sobre-humano, abrindo-lhe também as portas do trágico e do
patético. Com os maneiristas toda a noção de espaço foi então alterada, a
perspectiva se fragmentou em múltiplos pontos de vista, e as proporções
da figura humana foram distorcias com finalidades expressivas ou
meramente estéticas, formulando-se uma linguagem visual mais dinâmica,
vibrátil, subjetiva, dramática e sofisticada. Pontormo, Veronese, Romano, Tintoretto, Bronzino, e Michelangelo em sua fase madura foram exemplos típicos do Maneirismo plenamente manifesto. Giorgio Vasari,
um pintor e arquiteto maneirista de mérito secundário, também deve ser
lembrado por sua importância como biógrafo e historiador da arte, um dos
primeiros a reconhecer todo o ciclo renascentista como uma fase de
renovação cultural e o primeiro a usar o termo "Renascimento" na
bibliografia, em sua enciclopédica Le Vite de' più Eccellenti Pittori, Scultori e Architettori, uma das fontes primárias para o estudo da vida e obra de muitos artistas do período.
Escultura:
Na escultura os sinais de uma revalorização de uma estética classicista são mais antigos, datando do século XIII. Nicola Pisano em torno de 1260 produziu um púlpito para o Batistério de Pisa que é considerado a manifestação precursora da Renascença em escultura. Na passagem do século XIII para o século XIV seu filho Giovanni Pisano levaria seu estilo mais longe e dominaria a cena em Florença no primeiro terço do século, e seria um dos introdutores de um gênero novo, o dos cruxifixi dolorosi, de grande dramaticidade e larga influência, até então incomum na Toscana. Seu talento versátil daria origem a outras obras de suma elegância e austeridade, de linhas limpas e puras, como o retrato de Enrico Scrovegni. Suas Madonnas, relevos e o púlpito da Catedral de Pisa são, por outro lado, muito mais movimentados e graciosos, com elementos góticos mesclados a um novo senso de proporção e espaço que infere seu estudo dos clássicos.[33][34] Contemporâneos como Tino di Camaino seguem aproximadamente a mesma linha de trabalho, num cruzamento de correntes que seria típico de todo o Trecento.[35] Em meados do século Andrea Pisano se tornaria um dos escultores mais importantes da Itália, autor dos relevos da porta sul do Batistério de Florença e sendo nomeado arquiteto da Catedral de Orvieto.[36] Foi mestre de Orcagna, cujo tabernáculo em Orsanmichele é uma das obras-primas do período, e de Giovanni di Balducci, autor de um requintado e complexo monumento funerário na Capela Portinari de Milão.[37][38]Apesar dos avanços dos mestres citados acima, sua obra ainda reflete o embate entre as tendências antigas e modernas, e elementos góticos ainda são nitidamente visíveis em todos eles. Para o fim do Trecento surge em Florença a figura de Lorenzo Ghiberti, autor de relevos no Batistério de São João, onde os modelos clássicos são recuperados por completo. Logo em seguida Donatello conduz os avanços em várias frentes. Nas suas obras principais figuram as estátuas de profetas do Antigo Testamento. Deles talvez o Habacuc seja a mais impressionante, uma imagem cujo porte lembra fortemente um romano com sua toga, quase extraído diretamente da retratística da Roma republicana. Ousou ao modelar a primeira figura de nu de grandes dimensões em volume completo desde a antiguidade, o David de 1430. Também inovou na estatuária equestre, criando o monumento a Gattamelata, a mais importante obra em seu gênero desde o Marco Aurélio romano do Capitólio. Por fim, sua descarnada Madalena penitente, em madeira, de 1453, é uma imagem de dor, austeridade e transfiguração que não teve paralelos em sua época, reintroduzindo um pungente senso de drama e realidade na estatuária que só se viu no Helenismo.[39]
Na geração seguinte, Verrocchio se destaca pela teatralidade e dinamismo das composições. Seu Cristo e São Tomé tem grande realismo e poesia. Compôs um Jovem com um golfinho para a fonte de Netuno em Florença que é o protótipo da figura serpentinata, que seria o modelo formal mais prestigiado pelo Maneirismo e Barroco. Sua obra maior, o monumento equestre a Bartolommeo Colleoni é uma expresão de poder e força mais impressionante que o Gattamelata. Desiderio da Settignano e Antonio Rosselino também merecem lembrança. Florença continuou o centro da evolução até o aparecimento de Michelangelo, que trabalhou em Roma para os papas - e também em Florença para os Medici - e foi o maior nome da escultura desde a Alta Renascença até meados do Cinquecento. Sua obra passou do classicismo puro do David, do Baco, e chegou ao Maneirismo, expresso em obras veementes como os Escravos, o Moisés, e os nus da Capela Medici em Florença. Artistas como Baccio Bandinelli, Agostino di Duccio e Tullio Lombardo também deixaram obras de grande maestria, como o Adão deste último. Encerram o ciclo renascentista Giambologna, Francesco da Sangallo, Jacopo Sansovino e Benvenuto Cellini, com um estilo de grande dinamismo e expressividade, tipificado no Rapto das Sabinas, de Giambologna. Artistas importantes em outros países da Europa já iniciavam a trabalhar em linhas claramente italianas, como Adriaen de Vries no norte e Germain Pilon na França, espalhando o gosto italiano por uma grande área geográfica e dando origem a várias formulações sincréticas com escolas regionais.
Verrocchio.
Donatello.
Ghiberti.
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